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Cultura da pedofilia

Querido Todd Nickerson,

Na Salon , alguns dias atrás, você escreveu um artigo provocativamente intitulado de “Eu sou um pedófilo, mas não um monstro”. Presumivelmente, muitas pessoas estão questionando: “a pedofilia é natural?” ou “a pedofilia pode ser curada?”. Eu não vou focar em responder essas questões especificamente. Ao contrário, eu gostaria de aprofundar o assunto completando algumas lacunas do seu texto.

Vamos começar com o que faltou: a vasta maioria dos pedófilos são homens. E a maior parte das crianças vitimizadas por estes pedófilos, e que optam (!) por agir sobre seus desejos sexuais são meninas. Este é um detalhe importante para ocultar de seu público, você não diria? Infelizmente, universal e ostensivo como o patriarcado é, é comum que isso seja comentado no final, ou, às vezes, sequer seja comentado.

Isso posto, a pedofilia pode parecer um tabu desprezado pela maioria das pessoas, mas uma apreciação geral de nossa cultura revela o oposto. Eu entendo que a pedofilia é, na realidade, recompensada e celebrada, e que toda nossa cultura e compreensão da sexualidade é construída em torno do que se aproxima de desejos pedófilos. Isso é o que chamo de “cultura pedófila” (ou cultura da pedofilia).

Na cultura da pedofilia, é esperado das mulheres que mantenham uma quase impossível magreza, pré-pubere em sua quase andrógina falta de silhueta e gordura corporal. Por causa dessa pressão, distúrbios alimentares despertam frequentemente em meninas, e mulheres em particular são visadas ao longo de suas vidas por uma indústria muti-bilionária da dieta.

Na cultura pedófila, a categoria mais acessada no Pornhub é “adolescente”. Garotas que mal completaram dezoito anos com vestimentas e adereços escolares brincam com “manipulações de virgens”, “meninas do papai em fantasias incestuosas”, “professores-alunas fazem crer… chame como quiser, tem pornografia para isso e já foi exaustivamente vista milhões e milhões de vezes. É justo questionar se o que mantém estes expectadores assistindo é a idade das leis de consenso.

Influenciada pela indústria pornográfica, a labioplastia, uma cirurgia que esculpe os pequenos lábios reduzindo-os em tamanhos pornôs tem ganhado popularidade, assim como outros procedimentos, como a himenoplastia, que “restaura” a virgindade das mulheres.
Na cultura pedófila, as mulheres são totalmente pressionadas para se depilarem regularmente, com lâmina ou cera, em suas regiões púberes e abaixo dos braços. A indústria dos cosméticos – novamente, voltada às mulheres – vende cremes anti-idade e loções que deixam o corpo macio como de um bebê.

Na cultura pedófila, ocasionalmente nos referimos às mulheres adultas como “garotas”. Temos uma palavra especificamente cunhada para adolescentes bonitas: “novinhas”. Mulheres são sexualizadas como “pintinhas”, “gatinhas” e “bebês”.

Na cultura pedófila, eu frequentemente vejo homens em público me checando com os olhos cheios de luxúria até que eles notam os pelos nas minhas pernas – é o ponto em que eles fazem a teatral cara de nojo. Eu já entreouvi grupinhos de garotos em idade escolar falando sobre como eles não fazem sexo oral em mulheres nas quais os grandes lábios são proeminentes. Um cara que me procurou por mais de três anos atrás de sexo desistiu quando contei que jamais depilaria meus pelos pubianos. Ou seja, muitos homens desistem, ou perdem o desejo por mim, quando descobrem que sou uma mulher e não uma garotinha.

Certamente, todos esses homens que tem uma “preferência” pelas qualidades supramencionadas sobre mulheres não são pedófilos na definição estrita do termo. Mas, me parece que uma grande quantidade de homens, provavelmente como consequência profunda de condições culturais, atraem-se pelas mesmas coisas em uma mulher que um pedófilo se atrairia em uma garotinha. Lábios pequenos, vaginas minúsculas, himens intactos, pele macia como de um neném, genitais e vulvas sem pelos, juventude eterna, corpos frágeis e pequenos. Como o usuário do Tumblr “reddressalert” escreveu, “como não reconhecemos que essa é essencialmente a descrição de um bebê ou de uma criança?”.

De volta ao meu ponto de partida:
Eu preciso que você, e seus leitores simpáticos, entendam essa verdade dolorosa: a pedofilia não é, nem de longe, um tabu vergonhoso ou repulsivo para a sociedade como vocês dizem que é. Quem me dera fosse. Muito da situação degradante das mulheres ao redor do mundo refletem seus próprios desejos, produzidos em massa na escala global para dar de encontro com uma demanda cada vez maior. Essa supremacia masculina e universal te cumprimenta de braços abertos e tudo o que vocês desejam é comandá-la. Eu ouso lhes dizer que é mais seguro ser vocês do que ser uma mulher.

Você diz “Eu sou um pedófilo, mas não um monstro” e eu, de todo o coração, concordo com você. Você não é um monstro, é um homem. De um tipo bem comum. Uma representação microcósmica das perversões mais prevalentes no patriarcado. Você não é especial, nem anormal e também não está sozinho. Nem de perto. Sua “orientação sexual” é apenas uma manifestação dos desejos coletivos que os homens têm de subjugar mulheres em uma cruzada para manter seus privilégios masculinos a qualquer custo.

Então, se ser compreensiva e tolerante com sua pedofilia envolve a conivência com homens que erotizam características infantis em mulheres, e educar mulheres para manter sua eterna juventude, até para não agravar inseguranças masculinas, então você não está pedindo nosso apoio – mas sim nossa submissão. E, simples como você diz “não tem um jeito ético de satisfazer nossas necessidades sexuais completamente”, então não há um jeito ético de se pedir cooperação daquelas de nós que ativamente tentam desmantelar o sistema patriarcal que a “orientação” de vocês representa.

→ Alicen Grey é escritora premiada e autora de Lobos e outros pesadelos. Uma artista e ativista apaixonada, ela luta para inspirar seu público por meio da mudança e da cura. Mais do seu trabalho pode ser encontrado em seu blog: www.alicengrey.com.

Traduzido por Sarah Vieira

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travesti

Sobre travestis.
A maioria das mulheres é travesti.
Todos os dias a gente se traveste.
Usou a pinça? Se travestiu.
Empinou a bunda? Se travestiu.
Tá rebolando? Se travestiu.
Fazendo biquinho na frente do espelho? Se travestiu.
Carinha de debiloide pra parecer sexy? Se travestiu.
Pintou as unhas, passou batom, delineador? Se travestiu.
Roupas hiperssexualizadas, calcinhas enfiadas no rêgo? Se travestiu.
Ignorar que você é uma travesti desde criança é a própria alienação em si. Você se traveste porque é uma traveca. Indubitavelmente travesti.

por Keli Cristina

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eu não sou bonita

não se encaixar nos padrões do que é encarado como beleza pela sociedade é um fardo que muitas mulheres carregam – a maioria delas. o padrão é exceção. é minoria. é violência. a intensidade da cobrança sobre a cabeça de meninas – sim, meninas, desde crianças, desde o nascimento e o absurdo que é furar a orelha de uma criança de alguns dias de vida – pra que se encaixem no padrão é força motora de muitas doenças. essas doenças são motivo de muitas tragédias.
essas meninas não são bonitas. elas não se amam. elas não tem amor-próprio. a elas é dito, então, que aprendam a se amar independente de padrões. que elas podem ser bonitas mesmo sendo gordas, sem maquiagem, de cabelo amassado e espinha na cara. que na aceitação do corpo como é está a chave pra começar a se sentir bonita.
a questão é: o que é se amar?
o que é construir um amor-próprio baseado nos ideais de amor e beleza distorcidos que a sociedade nos impõe? o que é amor nesse sistema patriarcal capitalista doente? de que ele nos vale? ao nos esforçarmos em tamanha medida pra enxergarmos beleza em nós, não estamos nos submetendo à imposição da beleza? eu me considerar bonita independente de ser gorda ou magra muda o fato de que eu estou cedendo a pressão de ter que ser bonita pra ter algum valor?
eu não preciso ser bonita. e quando digo isso não é de um jeito suave, não estou falando de subjetividade. estou dizendo que não se esforçar pra atingir o padrão e não me utilizar de floreios pra fingir que estou nele é um ato político. eu reivindico minha feiúra. ela é vestígio da violência que me é imposta e é evidência do meu ódio. esse ódio não será silenciado.

(não estou de jeito nenhum julgando mulheres que se esforçam pra se encaixar no padrão. não vou culpabilizar quem não encarar as coisas da mesma forma que eu. essa é só a minha leitura.)

por Taís Lago

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